terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Um Despertar Caótico



 

Despertou como se da morte.Um fantasma esvaindo-se do corpo físico após ter sido usada como quebra molas para deter um trem descarrilado.Que sentido fazia tentar descobrir as horas se já havia perdido o compromisso da manhã ? Se havia perdido um compromisso que pensara ser pra tantos amanhãs?
Buscou as palavras certas para tranquilizar o espelho mas quase não pôde reconhecer o próprio rosto desfigurado pela dor .Um olhar de um nada ver. Pior:um olhar de nada a ver !Porque já não se reconhecia .Aquela pessoa diante do espelho não tinha absolutamente nada a ver com a garota de dois dias atrás .Pela primeira vez percebeu a opacidade na íris.Um rosto quase sem vincos mas de uma expressão sexagenária que pouca vezes vira em toda a vida.Cadavérica.
Pensou com certa ironia que Steven spileberg ficaria feliz em escala-la para figurar em um filme de zumbis.Feliz ?Sim, pela economia de maquiagem e de tempo para operar a transformação teatral.
 Bem poderia usar a pasta de dentes como bálsamo para olheiras.Espalhara um pouco sem motivo algum sobre os arranhões no pulso e sentiu a gostosa sensação do contato do mentol com a pele.Buscou  a frase certa para tentar justificar a si própria o sentido de tudo aquilo.Não havia...
 Mastigou os parágrafos com pedaços de pão adormecido.Jogou fora o café amargo.
De amargor bastava-lhe o seu.O estômago embrulhado pelo vazio era mais que um estômago vazio: o vazio não era pela falta do jantar da noite anterior .Era também o vazio existencial do amor que lhe subira à cabeça e entalara na garganta tirando-lhe do rosto os ultimos resquicios de protetor solar com as lágrimas.Lágrimas que fizeram-lhe ver pontinhos coloridos na tela em branco e que escorreram junto com pedaços de coisas bonitas e invisíveis que não podiam ser vistas,explicadas ou tocadas.É...talvez por não poderem ser vistas ou tocadas ,essa coisas bonitas não fossem reais .Quem saberia dizer ?!A única coisa que sabia é que as lágrimas sim,eram reais.E haviam limpado os restinhos de poeira do dia das pontas dos longos cílios.Quantas gotas teriam caído dos seus olhos ? A única certeza que restara era a de que nunca saberia dizer exatamente,ainda que quisesse.
Nem entendia tanto assim de ciências exatas.Ela,inexatamente subdividida entre a lógica e o sentimento,sempre.Sua área era a de humanas.Escolhera as Ciências humanas.Não .Não ela !O seu coração escolhera como sempre .A paixão pela possibilidade de encontrar algum tipo de justiça ( ou de ser instrumento dela ) em um mundo tão injusto .E a única esperança era encontrar uma chama real de humanidade naqueles livros e códigos de legislação,para que não pudesse se recordar ( pelo menos por enquanto ) que sua pessoa era apenas mais um número no mundo.Um número de RG .Um número de telefone.Um número de CPF.Um número no endereço.Um número no perfil da rede social. Um número na  fila de contatos da agenda de um provável amor ...e futuramente um número no atestado de óbito.
Subtrair-se para acrescentar sorrisos.Diminuir-se para multiplicar o contra-cheque...Dividir-se para caber dentro do coração de todas as pessoas que amava e de todas as circunstâncias espaciais limitantes que a vida lhe impusera.Fracionar-se para não se despadaçar inteira em desepero.
É...quem sabe algum dia conseguisse caucular os riscos de equacionar-se tanto...



                                                 ( M. Almeida ) 


                                       

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